Uso de fontes alternativas de água– uma medida prevista no PENSAARP 2030
Se observarmos o mapa de precipitação média anual na Europa, verificamos que Portugal não está numa má situação, com variações ao longo do país entre 750 e 2000 mm, situação que é ainda beneficiada pelo facto de a maior parte dos rios ibéricos correrem para o nosso território. Mas se analisarmos a relação entre a procura de água e a disponibilidade da mesma, verificamos que a situação já não é tão boa.
Portugal tem efetivamente um problema sério de escassez hídrica, que, de acordo com estudos recentes, pode ser classificada como elevada nas bacias hidrográficas dos rios Vouga, Liz, Cávado e Tejo, como severa nos rios Sado, Guadiana, Ribeiras do Algarve e do Oeste, e como extrema na bacia do rio Mira. Esta situação de escassez hídrica é naturalmente agravada em anos de seca, em que a procura se mantém, mas a oferta é obviamente mais limitada
Importa por isso assegurar não apenas uma melhor gestão da procura de água, através da sua utilização mais racional e eficiente, mas também uma melhor gestão da oferta de água, através do recurso a origens alternativas, como o aproveitamento de águas residuais tratadas. Em Portugal recolhemos atualmente cerca de 640 milhões de metros cúbicos por ano de águas residuais nas redes de coletores. A boa notícia é que cerca de 99% dessas águas são tratadas, graças aos elevados investimentos feitos nas últimas duas décadas e meia. A má notícia é que apenas 1,3% dessas águas são reutilizadas. Estamos assim a desperdiçar para os rios e para o oceano uma significativa quantidade de águas e de nutrientes.
A reutilização das águas residuais pode, portanto, assumir um papel mais importante na gestão dos nossos recursos hídricos, para utilizações internas da entidade gestora que as produzem ou para utilizações de terceiros, como os setores agrícola, municipal e industrial.
Essas utilizações podem implicar a necessidade de reforço do tratamento que hoje fazemos e exige certamente o transporte de águas residuais para os locais de consumo. Isso pode ser feito diretamente com redes que permitam a distribuição das águas tratadas, ou indiretamente com o seu lançamento num meio hídrico intermédio, por exemplo albufeiras, de onde é depois retirada para utilização agrícola, industrial ou outra.
Para promovermos a reutilização das águas residuais em Portugal seria importante reavaliar a política fiscal para introduzirmos maior incentivo a esta origem de água, por exemplo tornando mais impactante a taxa de recursos hídricos. Quem reutilizasse estaria dispensado do pagamento não apenas da taxa de rejeição, mas também da taxa de captação de água, com impacto significativo nos seus custos.
Seria também muito importante alterar a atual legislação sobre utilização de águas residuais, no que respeita à utilização indireta através de meios hídricos, que não está contemplada nas disposições normativas atuais.
Seria útil promover a elaboração de documentação técnica sobre utilização de origens alternativas de água, suas vantagens, inconvenientes e boas práticas. Seria também importante elaborar material de sensibilização para decisores sobre utilização de origens alternativas de água, incluindo a reutilização. Na perspetiva do desenvolvimento científico importa promover a inovação sobre utilização de origens alternativas de água e divulgar casos de referência que motivem a sua multiplicação.
Uma das medidas previstas no novo Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030) é a utilização de origens alternativas de água, onde se insere a reutilização.
Jaime Melo Baptista
Presidente da LIS-Water, Lisbon International Centre for Water