As infraestruturas verdes, como as florestas e os cursos de água, sustentaram a evolução da humanidade ao longo dos tempos, proporcionando alimentos, resiliência climática e hídrica, qualidade do ar e da água bem como inúmeros benefícios sociais recreativos e de inclusão.
No entanto, foram paulatinamente substituídas por superfícies cinzentas (como diques e barragens). Num planeta cada vez mais urbanizado, o Homem parece esquecer-se que a natureza é o seu maior aliado. Pelo menos até agora….
Não obstante a natureza ser aliada do Homem desde os primórdios da sua existência, o conceito de infraestruturas verdes ou naturais é relativamente recente. A Comissão Europeia descreve-o com um instrumento que permite obter benefícios ecológicos, económicos e sociais através de soluções baseadas na natureza, que permitem viver melhor. As infraestruturas verdes proporcionam soluções atrativas para os problemas ambientais, sociais e económicos e permitem atenuar o impacto das catástrofes naturais relacionadas com as alterações climáticas.
As infraestruturas verdes e cinzentas (como diques e barragens) são o yin e yang de uma estratégia de sucesso no curso da sustentabilidade. Sendo conceitos opostos, eles podem e devem ser sincronizados na realidade do século XXI. Numa era em que as alterações climáticas e a escassez de água são preocupações mundiais, as infraestruturas verdes apresentam-se como soluções sustentáveis e multifuncionais, ao contrário das estruturas cinzentas, que por norma apresentam uma única função. Uma estratégia de infraestruturas naturais permite diversos benefícios económicos e uma maior resiliência climática, maior absorção de carbono, melhor qualidade do ar e da água, melhor eficiência energética e inúmeros benefícios sociais como o recreativo e de inclusão para as comunidades envolvidas.
A cereja no topo do bolo é que é muito mais bonito olhar para uma floresta do que para um muro cinzento e, por vezes, eles têm exatamente a mesma função como por exemplo a filtragem de sedimentos ou da água, assegura Filipe Feltran-Barbieri, economista sénior que lidera análises econométricas na Economia Agrícola e Meio Ambiente em projetos de restauração, infraestruturas Naturais e Nova Economia do Clima.
Gestão de Recursos Hídricos através de infraestruturas verdes? Sim é possível.
Quando as áreas naturais são reduzidas para dar espaço à expansão urbana, dando lugar a terrenos agrícolas ou degradados, o abastecimento de água fica comprometido na sua quantidade e qualidade e as alterações climáticas tendem a agravar esta realidade. Os aumentos de chuvas torrenciais alternadas por secas prolongadas conduzem a uma maior necessidade de gestão de sedimentos, em função de erosões severas, e a uma maior necessidade de armazenamento durante a estação das chuvas, para uso na estação seca. As estratégias convencionais de gestão hídrica (como a construção de barragens e reservatórios), têm prevalecido em detrimento de infraestruturas verde, florestas ou zonas húmidas que, quando geridas para proteger o abastecimento de água a jusante, permitem garantir a disponibilidade da água nas cidades através do controlo de vazão, prevenção da acumulação de sedimentos responsáveis pelo assoreamento de rios e outros canais de água e pela retenção de poluentes, impedindo-os de chegarem aos cursos de água.
As infraestruturas naturais são também uma resposta aos desafios que as alterações climáticas colocam às entidades gestoras de água, no que diz respeito na disponibilidade e qualidade deste recurso vital. A restauração de florestas traz inúmeros benefícios adicionais como a filtragem de sedimentos e a diminuição da erosão (da qual resulta águas menos turvas) com benefícios económicos no tratamento e na gestão hídrica, em função das menores necessidades de uso de produtos químicos, de energia e de mão de obra.
A restauração das florestas permite reabilitar ecossistemas e entregar água de melhor qualidade às infraestruturas construídas, regular o fluxo hídrico e diminuir o risco de inundações. A incorporação de uma estratégia verde permite potencializar a eficiência, o desempenho e a resiliência das estruturas convencionais, permitindo que a água chegue às estações de tratamento com melhor qualidade.
Os desafios do século XXI não permitem a adoção de um paradigma único de cores até porque, continuamos cativos do capital já investido, razão pela qual o paradigma verde em urbano ainda pouco se faz sentir, como esclarece David Marlow, numa edição da ambiente revista Water Research de 2013. Sabemos que não é possível de um momento para o outro desativar todo um sistema para o substituir por outro. Mas as infraestruturas naturais permitem aliviar soluções de engenharia complexas para assegurar a disponibilidade e qualidade de águas, tem funções diversas na sustentabilidade dos ecossistemas e são componentes fundamentais nas estratégias de segurança hídrica.
A WRI Brasil tem apresentado inúmeros relatórios que apresentam de forma detalhada os resultados da Análise de Investimento em Infraestruturas Naturais aplicadas a diversas regiões do Brasil, que fortalecem e justificam financeiramente os investimentos do setor hídrico em infraestruturas naturais. Neste âmbito, o Sistema de Guandu, no Rio de Janeiro, que integra a maior Estação de Tratamento de Água do mundo, foi alvo de um conjunto de análises que pode ajudar nas estratégias de saneamento e gestão dos recursos hídricos. O relatório resultante desta análise comprova que a restauração das florestas pode complementar e salvaguardar o Sistema de Guandu, a principal fonte de abastecimento de água para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
É triste pensar que natureza fala e que o género humano não a ouve, escreveu o autor francês Victor Hugo, no século XIX. Quantas vezes optámos por estruturas cinzentas quando a resposta estava na natureza, mesmo em frente aos nossos olhos? Basta olhar para as novas conceções e para a gestão dos espaços urbanos. A natureza está a ficar em segundo plano na mente dos Homens. E, mesmo assim, as coisas não estão a correr bem à humanidade. Cerca de 600 milhões de pessoas continuam sem acesso a água potável, as secas afetam mais de 35 milhões e, até 2050, 300 milhões de pessoas podem sofrer inundações uma vez por ano. Onde está a Humanidade a errar afinal de contas? Se é verdade que a nossa capacidade de sobrevivência depende da nossa capacidade de valorizar a natureza, então o nosso futuro não augura nada de bom.