Cada gota conta e o setor das águas é um dos maiores consumidores de energia.
Como problema mundial que é, a questão das alterações climáticas exige que todos os países do globo colaborem entre si porque, cada vez mais, cada gota conta para garantir a disponibilidade da água às próximas gerações. Em 2015, os líderes mundiais chegaram a acordo sobre novos objetivos ambiciosos na luta contra as alterações climáticas.
O Acordo de Paris inclui um plano de ação para limitar o aquecimento global. A União Europeia assinou e ratificou o Acordo de Paris demonstrando estar fortemente empenhada na sua aplicação, tendo definido como meta ser a primeira economia e sociedade com impacto neutro no clima até 2050.
Neste objetivo, o ciclo urbano da água tem um papel muito importante. Sendo o setor das águas um dos maiores consumidores de energia (necessária para captar, tratar e distribuir água), e dado o elevado consumo de energia nas habitações para aquecimento de águas (correspondente a c.a. 23% da fatura energética), para atingir o objetivo de descarbonização é importante considerar que cada gota conta para otimizarmos a gestão e uso da água nestes setores, apostando na transição hídrica, a par da energética. Esta transição hídrica tem um grande potencial nos edifícios, com benefícios para a sustentabilidade ambiental, energética e económica do país e das famílias (ver Figura 1).
O REFERENCIAL DE EFICIÊNCIA HÍDRICA NOS EDIFÍCIOS PARA QUE CADA GOTA CONTE
O que fazer para tornar um edifício mais sustentável do ponto de vista da eficiência hídrica?
As secas e a ocorrência de cheias são um problema crescente no país e na europa, que testam a resiliência das cidades e a gestão sustentável dos recursos hídricos. O uso da água requer também muita energia, reforçando o conceito de que, no setor da água, cada gota conta. A transição sustentável, ao nível da conservação dos recursos, da descarbonização e da resiliência climática, torna imperativo o desenvolvimento de soluções promotoras da redução de desperdícios, otimização do uso da água e a sua reutilização nos edifícios.
Nos edifícios estima-se um potencial de eficiência hídrica de 30% a 50%, dependendo da sua idade. O consumo de água quente representa, no setor doméstico, 23%1 da fatura de energia pelo que a introdução de soluções de eficiência hídrica pode gerar uma economia combinada, em água e energia nos edifícios, na ordem dos 800 Milhões de euros por ano para as famílias portuguesas.
Dando resposta a estes desafios a ADENE lançou o AQUA+, um sistema simples, ágil e voluntário de avaliação e classificação da eficiência hídrica de edifícios.
O AQUA+ vai ao encontro de objetivos e ações previstos no Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 20502, no Plano Nacional de Energia e Clima 20303, no Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública para 2030 (ECO.AP 2030)4, na Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios(ELPRE)5, na Vaga de Renovação de Edifícios (uma iniciativa no âmbito do Pacto Ecológico Europeu), e no Novo Plano de Ação para a Economia Circular da União Europeia.
O AQUA+ resulta do H2ODesign, um processo participado iniciado em setembro de 2018, que envolveu consumidores, especialistas e stakeholders numa aproximação colaborativa ao desenho de novas abordagens para o uso eficiente da água. O sistema foi implementado com a colaboração de entidades do sistema científico e tecnológico nacional (SCTN) e associações técnico-científicas, ao longo de 2019.
Além da Classe Hídrica, o AQUA+ fornece informação ao consumidor/promotor imobiliário relativa ao desempenho do imóvel no que respeita às infraestruturas, equipamentos e dispositivos (instalados ou em projeto), nomeadamente: fontes e redes de água, usos exteriores, eficiência dos dispositivos, equipamentos de lavagem (máquinas de lavar loiça e roupa) e água quente sanitária (Figura 3). São ainda identificadas as medidas de melhoria a implementar para reduzir o consumo de água e o consumo de energia associado, dando indicação do potencial de poupança de água e de água + energia.
Considerando uma família de 4 pessoas e um preço médio da água para um concelho com elevada densidade populacional é possível obter, através da substituição dos chuveiros, autoclismos e torneiras convencionais por novos com funcionalidades e consumos eficientes, poupanças de aproximadamente 196 mil litros de água por ano. Esta poupança traduz-se numa redução de 227€ por ano na fatura da água.
Também a aquisição de uma máquina de lavar loiça eficiente, quando esta não exista, permite poupar água. Ao utilizar a máquina de lavar loiça em vez de lavar a loiça à mão, pode poupar até 16 mil litros de água por ano. Isto resulta numa redução de 19€ anuais na fatura da água.
Com vista a apoiar a escolha informada dos utilizadores para que cada gota conte nas suas casas, a ADENE criou as dicas de poupança AQUA+, que pretendem guiar o consumidor e os técnicos para a adequada seleção de produtos (autoclismos, sistemas de duche, torneiras e usos exteriores, como sistemas de rega) e apresentar soluções para a sustentabilidade dos edifícios.
Do total de auditorias a imóveis residenciais realizadas verifica-se que:
– Cerca de 38% dos imóveis consegue passar de Classes F a C para B a A+;
– O potencial de redução de consumo varia entre os 30 e 40%, com uma média de 38% considerando dados de 2020 (estimativas com base em valores padrão de utilização da água);
– A implementação de todas as medidas de melhoria, em todos os imóveis auditados desde o início do sistema, resultaria numa poupança total de quase 4 milhões de litros de água/ano.
O AQUA+ assenta no Ecossistema AQUA+, criado para estimular a eficiência hídrica nos edifícios. Como peça chave para a replicabilidade e escala do AQUA+, enquadra-se a formação e capacitação de técnicos que atuam como Consultores e Auditores AQUA+. A sua qualificação e formação assegura a disseminação e aplicação do AQUA+ em todo o país e a criação de novas oportunidades para profissionais e empresas empreendedoras, tendo sido formados mais de 150 técnicos AQUA+.
A 1.ª Edição dos Prémios AQUA+ (2020) alargou o ecossistema com a Rede Tech AQUA+, uma rede informal de divulgação de soluções e tecnologias de monitorização e controlo inteligente da água para os utilizadores em diferentes aplicações (edifícios e outros espaços urbanos), em particular, aquelas que contribuam para uma melhor classificação hídrica AQUA+ nas diferentes tipologias de edifícios e usos.
A metodologia de classificação AQUA+ pretende fomentar a crescente integração, nos edifícios e usos urbanos da água, de tecnologias que ajudem os consumidores e gestores, de diferentes tipos de edifícios e usos, a fazer uma utilização mais eficiente da água, contribuindo também para a melhoria de comportamentos em diferentes contextos. Neste âmbito, o AQUA+ valoriza a existência de sistemas de medição, monitorização e/ou gestão dos consumos de água, assegurando que cada gota na sustentabilidade hídrica.
Trata-se de soluções fundamentais para o caminho inovador de evolução até ao futuro AQUA+ 4.0 assente numa abordagem dinâmica e para uma gestão mais inteligente da água, nas diversas tipologias de edifícios e outros usos urbanos, e para a qual as entidades da Rede TECH AQUA+ já ajudam a dar resposta. Iniciada com as entidades finalistas dos Prémios AQUA+ 2020, esta Rede vai alargar-se em breve a outras entidades com soluções e tecnologias de monitorização e controlo inteligente da água em diferentes aplicações.
A par destas, outras entidades, incluindo entidades gestoras de serviços de água, estão a dar passos importantes para ajudar os utilizadores a conhecer e gerir melhor os seus consumos. Conheça uma dessas entidades nesta edição.
Tendo nascido de um processo participativo, o AQUA+ mantém a sua forte vertente colaborativa e o envolvimento de todos. Em 2021 foi constituída a Rede de Compromisso AQUA+, da qual fazem parte 30 entidades de governação e representação institucional e setorial no país (a que se juntarão outras num ciclo contínuo), que contribuem para a forte implementação deste instrumento e da eficiência hídrica em Portugal.
Está em curso o alargamento do AQUA+ a outras tipologias de edifícios: ao setor do turismo (Hotéis), já em desenvolvimento em parceria com o Turismo de Portugal e com lançamento previsto no quarto trimestre de 2021; e a edifícios de comércio e serviços, abrangendo edifícios públicos, em 2022. Isto porque, em todos os setores de atividade cada gota conta para garantir o futuro da água às próximas gerações.
Referências:
1. PNEC, 2030.
2. Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019, de 1 de julho, no seguimento do compromisso de Portugal alcançar a neutralidade carbónica até 2050 assumida na Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas em 2016
3. Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2020, de 10 de julho dando resposta ao Regulamento (UE) 2018/1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática.
4. Resolução do Conselho de Ministros n.º 104/2020, de 24 de novembro, aprova o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública para o período até 2030.
5. Resolução do Conselho de Ministros n.º 8-A/2021, de 3 de fevereiro, que aprova a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, dando resposta ao Regulamento (UE) 2018/1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática, incluído no pacote legislativo «Energia Limpa para todos os Europeus» e à Diretiva (UE) 2018/844, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018 relativa ao desempenho energético dos edifícios (Diretiva EPBD)